‘Parlamentar biscoiteiro’: Tiktok muda atuação de congressistas nos espaços legislativos
É quando ganham as redes sociais, principalmente por meio de vídeos curtos, que deputados têm repercussão expressiva
Caroline Oliveira
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), os ex-integrantes Nelcilene Reis e Ivan Xavier associaram o movimento a supostos casos análogos à escravidão, sem apresentar, no entanto, nenhuma prova. No dia seguinte, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), seguiu o mesmo caminho e sugeriu uma relação entre o MST e o narcotráfico, também apesar da ausência de comprovações.
Relatos como esses de convidados e convocados são endossados entre os deputados mais alinhados ao bolsonarismo, e quando ficam apenas circunscritos ao ambiente da comissão, pouco reverberam entre as bases eleitorais dos congressistas. Mas é quando ganham as redes sociais, principalmente por meio de vídeos curtos, que passam a ter repercussão expressiva.
Dos 47 deputados, entre suplentes e titulares que constam como integrantes da comissão, 24 já publicaram vídeos de trechos em que se posicionam durante as audiências, entre os dias 17 de maio e 1º de junho, sendo 20 no TikTok e quatro no Instagram – lembrando que até o momento somente em suas reuniões foram recebidos convidados.
Do total das publicações, 17 são de congressistas alinhados ao bolsonarismo, que historicamente buscou criminalizar movimentos como o MST. Em todas as postagens, o tom é de animosidade e denuncismo.
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O objetivo das publicações, que refletem um modus operandi entre os políticos consolidado desde pelo menos as duas últimas legislaturas, é engajar a base de eleitores por meio das emoções. Por isso, o tom inflamado das postagens. André Eler, diretor adjunto da empresa Bites e com experiência em análise de dados para relações governamentais e tendências de opinião pública, explica que conteúdos que despertam emoções nos usuários, como raiva e indignação, são mais compartilhados, curtidos e comentados, ou seja, têm mais engajamento.
“Falando de forma geral, como os algoritmos valorizam aquilo que gera engajamento. Isso é uma forma de polarizar, de gerar um engajamento mais passional do próprio público. Se uma pessoa fala uma platitude, pouco passional, que gera poucas emoções, as pessoas não se sentem motivadas a comentar, compartilhar e curtir”, afirma Eler.
Nesse sentido, as comissões parlamentares de inquérito formam um ambiente favorável para esse tipo de discurso, diferente das tribunas dos plenários das casas legislativas. “Sessões como a CPI são muito propícias para esse tipo de conteúdo, propenso à viralização”, diz Eler.
“Esses espaços sempre tiveram muita atenção, porque geralmente o plenário não tem muita atenção da sociedade quando não são temas polêmicos. Na CPI, como tem um alvo específico e um tema polêmico, com fatos determinados, a sociedade acaba olhando mais e tem uma cobertura mais intensa da imprensa. São temas mais fáceis de entender do que temas, por exemplo, em relação à tramitação de projetos.”
Impacto no formato da atividade legislativa
Não é por acaso que os congressistas mantêm os celulares em suas mãos o tempo todo, como se a atividade nas redes sociais fosse uma extensão da atividade parlamentar. No entanto, será que esse hábito de alguma maneira afeta o trabalho legislativo?
Viktor Chagas, professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (PPGCOM-UFF), defende que, atividade parlamentar vem “sem dúvida nenhuma sendo reconfigurada por essas plataformas digitais”.
“Nikolas Ferreira é um entre muitos que têm procurado orientar seus discursos e suas ações para gerar conteúdos nas mídias sociais. Estamos lidando com a nova figura do ‘parlamentar biscoiteiro’. Não é raro nos depararmos com imagens do plenário em que deputados e deputadas, senadores e senadoras erguem os celulares para gravar cenas durante os trabalhos”, afirma Chagas.
Para André Eler, a prática pode moldar a intensidade dos discursos, uma vez que não é direcionado apenas aos congressistas, mas para a própria base. “De certa forma, isso já vai moldando o formato e a energia empregada no discurso”, afirma. O impacto, no entanto, não necessariamente é negativo e dependerá dos valores empregados.
“Se pensarmos no fato de envolver seus próprios eleitores e fazer com que eles compreendam o que está sendo votado, isso pode ter um impacto positivo. Além disso, é uma maneira de manter os congressistas sujeitos ao escrutínio público”, afirma Eler. Na prática, as pessoas têm mais uma forma de controle sobre as atividades parlamentares.
Entretanto, em algumas ocasiões, isso pode resultar em diversos problemas internos, já que os deputados podem se exaltar. É uma situação delicada, com dois lados: “pode ter efeitos positivos quando a sociedade começa a pressionar por pautas de interesse público legítimas. Por outro lado, ao perceber que não é necessário agradar a sociedade como um todo, um congressista pode se agarrar a uma amostra de seguidores nas redes sociais, que talvez seja composta pelos mais extremistas”.
Nilton Kleina, doutor em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), afirma que se trata de uma produção intensa de conteúdo não mais restrita ao período eleitoral, como se observava em algumas legislaturas anteriores. Hoje, em algumas ocasiões, parlamentares buscam obter grande repercussão através de frases impactantes, utilizando termos que agradem à sua base eleitoral ou que atraiam a atenção da mídia.
Assim, explica Kleina, há uma certa necessidade de moldar o discurso para se adequar às redes sociais. No entanto, é importante ter em mente que priorizar a criação de conteúdo para essas plataformas pode prejudicar o desempenho como legislador. “As redes sociais são caracterizadas por postagens rápidas, cuja duração é efêmera. O discurso não pode se restringir apenas a esse tempo. Ao invés disso, é necessário que o discurso exista de forma independente e, então, possa ser compartilhado nas redes sociais. O desempenho nas redes sociais não pode ser colocado acima do desempenho como representante do povo.”
“Aquela frase impactante, aquela manifestação mais enfática, aquele momento de maior vigor no discurso. Esses elementos devem ser destacados e separados. Devem ser cuidadosamente publicados nas redes sociais”, afirma o doutor em Comunicação.
Kleina acredita que, a despeito de tornar a atividade legislativa mais acessível para a população, as consequências negativas também surgem, assim como pontuou Eler. “Para a sociedade civil, as consequências são essas que a gente está vendo: a polarização é feita muito pelos ambientes em que a polarização acontece. Os ambientes digitais privilegiam os embates sem moderação, que vão ficando cada vez mais acalorados e extremos. A questão da desinformação é a mesma coisa: se não tiver um tipo de moderação, a tendência é que conteúdos políticos apareçam, mas desinformando”, afirma Kleina.
Fonte: Brasil de fato